Ninhos de melro

Dias antes de morrer, acordou com vontade de ir aos ninhos. Tentou levantar-se da cama. Que queria trepar às árvores. Que sabia de um ninho de melro abandonado. Disseram-lhe que a primavera já tinha passado, que as árvores estavam escorregadias, que já não havia árvores, que os pássaros já não sabiam fazer ninhos... Mas ele continuava a insistir. Entrou depois num longo delírio. De vez em quando pronunciava palavras como musgo cor-de-rosa, lama seca, palavras que se foram tornando cada vez mais indistintas. Por último, parece que chilreava.

Jorge Sousa Braga


A terra do Alendouro é esplendorosa em Maio. Se conseguirmos abstrair da falta de futuro que pesa sobre aquela terra e aquela gente, os campos, as ervas, as searas, as encostas fascinam-nos e obrigam-nos a atravessá-los de olhos colados ao chão.

Não sei dizer como vai ser a paisagem em Trás-os-Montes dentro de 20 anos. A paisagem já hoje é muito diferente da que recordo há apenas algumas dezenas de anos. Encostas verdes, onde o vento dançava com o pão, são hoje integralmente cobertas por giestas e esteva.

O projecto
Paisagens do silêncio - D'ouro d'Alendouro já reflectia de alguma forma esta problemática, ainda que não de uma forma explícita. A paisagem que fotografei era e hoje continua a ser uma paisagem que desaparece, pois é uma paisagem que resulta da intervenção das populações ainda dedicadas à agricultura.

No futuro que antevemos onde ficarão as nossas memórias de ninhos de melros?

Renato Roque

 

Nota: todas as fotografias que integram Ninhos de melro foram feitas nos dias 15 e 16 de Maio de 2007, no concelho de Vinhais.