1. Variações
imaginárias em torno de um diálogo real com Vicente Todoli [1]
Vicente
Todoli – Já viram, é uma
cadeira em negativo. Que engraçado... Gostaram?
Entrevistador
– Mas é isso Arte?
Vicente
Todoli – Arte é tudo aquilo que
um artista diz que é Arte! Tal como Literatura é aquilo que o escritor diz que
é Literatura.
Entrevistador
– Mas pode chegar o
momento em que podemos distinguir, em que já podemos dizer se é Arte ou não
é Arte...
Vicente
Todoli – Não, isso é uma coisa
que cabe ao artista decidir.
Entrevistador
– E quem são os artistas?
Vicente
Todoli – Aqueles que produzem obras de Arte!
Entrevistador
– Mas disse-me já que a Arte
pode ser boa ou má!
Vicente
Todoli – Claro, a Barbara
Coutland também é literatura, só que é lixo!
Entrevistador
– Qual é então a Arte boa?
Vicente
Todoli – É trivial! A Arte boa é aquela que
um artista bom diz que é Arte boa!
Entrevistador
– Lembro-me também de ter
utilizado a expressão de genial quando passámos por uma obra de Bacon.
Vicente
Todoli – Sim, sim, Bacon era um artista
genial!
...
2.
Onde o Sr. Valéry [2]
entra em cena
O
Sr Valéry, lembram-se, era um senhor pequenino mas que dava muitos saltos.
Ele
explicava:
- Sou
igual às pessoas altas só que por menos tempo.
Mas esta solução engenhosa satisfez o Sr. Valéry durante pouco tempo. Um dia o Sr. Valéry leu a entrevista de Todoli e ficou entusiasmado. Sempre desejara ser artista. Mas queria ser um artista extraordinário. Para ser artista não precisava de saltar. E o Sr. Valéry desenhou.
O
Sr. Valéry nunca conseguira deitar nada fora. Tinha o apartamento atafulhado
com todo o tipo de lixo: garrafas e embalagens vazias, jornais e revistas,
caixas, caixotes, roupa velha.
Juntou tudo no hall de entrada do prédio e colou uma pequena etiqueta na parede, junto à porta do elevador.
Os
vizinhos do S. Valéry, uns ignorantes, pois não tinham lido a entrevista, não
acharam graça e mandaram chamar o carro do lixo que carregou a obra de arte e a
enfiou na lixeira municipal.
E
o Sr. Valéry, para além de os ouvir, felizmente era pequeno e as ondas
passavam-lhe quase todas por cima da cabeça, teve de ir a pé até à lixeira
– o Sr. Valéry vai a pé a todo o lado. Vai sempre a pé e tem boas razões
para isso. No espaço da lixeira encontrou um monte de lixo parecido com o seu
mas, desgostoso, teve de reconhecer que a obra de arte se perdera, pois o monte
tinha sido feito pelos lixeiros e não por um artista.
O
Sr. Valéry regressou a casa e no caminho entrou numa livraria. Comprou o “Anuário
de Artistas Contemporâneos”. Folheou até encontrar a letra V. Nada! Estaria
no S de Sr? Procurou. Nada! Valéry não aparecia! Ainda pensou apresentar
queixa a um comissário que conhecia, mas a esquadra era demasiado longe.
O
Sr. Valéry nunca mais guardou lixo.
Renato
Roque – Dez 2003