Última homenagem

Algumas pessoas já me ouviram com certeza referir, quando falo sobre a minha relação especial com Trás-os-Montes, a ligação afectiva especial que mantenho com os castanheiros. 

O castanheiro transformou-se mesmo numa árvore simbólica, metafórica, que fotografo muitas vezes, e que aparece também muitas vezes como personagem das minhas histórias. Algumas dessas árvores tornaram-se mesmo próximas e tenho-as fotografado ao longo do tempo, em todas as estações do ano, de cada vez que vou a Trás-os-Montes. São árvores que visito, que afago com carinho com o anel do foco, de cada vez que visito as terras do Alendouro.

Um desses castanheiros, que fotografei algumas vezes há uns anos atrás, tinha sido ferido na sua dignidade quando uma nova estrada em alcatrão foi aberta, cortando-o da paisagem onde se enraizava. Cada vez que passava à sua beira não podia deixar de sentir uma certa tristeza e de recordar as imagens antigas desse castanheiro aristocrático. 

Porque um castanheiro precisa de tempo, precisa de espaço à sua volta; então domina o território. 

Ao visitar Trás-os-Montes este fim de semana reencontrei esse velho castanheiro completamente queimado, incinerado por um dos muitos fogos deste verão.

Fotografei-o, pretendendo desta forma prestar uma última homenagem a esta árvore que, depois de ferida de morte há uns anos, finalmente morreu.

Em 2001 tinha realizado um projecto fotográfico nos Encontros de Braga a que chamei Hora Sua, que foi editado em livro pela Assírio e Alvim, onde utilizei um conjunto de fotografias de castanheiros imolados pelo fogo. Tratou-se de um projecto de reflexão sobre a morte, a partir de uma visita que fiz ao Instituto de Medicina Legal no Porto e a que juntei as fotografias de árvores queimadas. Como afirmava no prefácio do livro:

"São fotografias que fui fazendo ao longo de alguns anos, nas minhas visitas a Trás-os-Montes e onde, mais uma vez, a morte realça a beleza da vida: consagra-a."

(in Hora Sua - Assírio Alvim)

Desta vez, nesta fotografia do velho castanheiro, a morte não realça a beleza da vida nem a consagra. Desta vez há apenas tristeza. 

Não fotografei este castanheiro seduzido pela beleza que paradoxalmente a morte pode realçar, mas apenas como uma última homenagem a uma árvore...


Diário Imagens, Renato Roque, Trás-os-Montes, Agosto 2005