A árvore que se queria transformar em pássaro

 

“ Mal entrara no paraíso logo se encontrou diante de uma árvore que era a um só tempo homem e mulher.”

(Em ´Contos Maravilhosos de Herman Hesse)

 

O sonho bateu à porta. Abri a porta ao sonho e entrei.

Mal entrei, vi uma árvore majestosa. Sentei-me à sua sombra e perguntei-lhe se era um castanheiro, mas a árvore não me respondeu. Talvez não me compreendesse. Infelizmente, na escola não aprendemos a falar com as árvores.

Levantei-me, e continuei. Os meus pés pisavam flores de todas as cores sem as machucar. Cheiravam cheiros antigos que quase já tinha esquecido.

Vi uma outra árvore tão majestosa como a primeira. No galho mais alto pousava um pássaro muito belo. Perguntei-lhe:

- Pássaro o que é a felicidade?

- A felicidade é poder voar-. Abriu as asas e voou. Bateu as asas e tranformou-se numa borboleta que voltejou sobre a minha cabeça. Estendi o braço e a borboleta pousou na palma da minha mão, fazendo-me cócegas. Bateu as asas e tranformou-se num espelho. Do outro lado, um outro Eu que eu não conhecia, fitava-me. Gostei dele. Disse-me:

- Este espelho é mágico. Podes pedir o que quiseres. O teu desejo será concedido.

Quase sem pensar pedi:

- Quero ser um castanheiro majestoso.

De imediato senti os meus pés criarem raízes, o meu corpo lenhificar-se. Os meus braços esticaram e curvaram, e novos braços nasceram. E nos braços folhas verdes brotaram, pois estávamos na Primavera.

Os anos passaram, muitos muitos anos, e eu sentia-me feliz e importante. Era um castanheiro. Os pássaros pousavam nos meus ramos, faziam ninhos, nasciam, cresciam e morriam. As borboletas voavam, e a cada bater de asas tranformavam-se, e magicamente tranformavam o mundo à minha volta. Os prados verdejantes transformavam-se em searas luminosas. Regatos frescos e rumorejantes transformavam-se em encostas pedregosas. Mas as minhas raízes continuavam bem cravadas na terra.

Demorei muito tempo a compreender que não era feliz. Que a vida de árvore não me chegava. Mas as raízes continuavam a crescer e a enterrar-se bem fundo na terra.

Um dia, um pássaro-arco-iris pousou no meu ramo mais alto. Cantou uma canção triste e bela que não compreendi porque infelizmente as árvores não aprendem a falar com os pássaros. Mas comoveu-me.O eco de algo pronunciado há muito tempo ressoou, reflectido pela abóboda celeste: “A felicidade é poder voar.” Bati os ramos mas as raízes fundas não me deixaram mover. Uma borboleta negra pousou no bico do pássaro, bateu as asas e transformou-se em espelho mágico. O pássaro piou e expressou o desejo.

Senti as raízes cederem. Transformei-me em pássaro e levantámos voo juntos.

Sobrevoámos prados verdes, searas de ouro e campos rubros de papoilas. Ao cruzar um souto olhei os castanheiros-irmãos e chorei uma lágrima que caiu na terra de onde brotou uma nova árvore. Pousámos no seu galho mais alto, tranformámo-nos em borboletas batemos as asas e fundimo-nos na árvore, “uma árvore que era a um só tempo homem e mulher”.

 

(In Arcas de Sonhos - 1994 - Colibri)