O teu sorriso permanente

 

                                                                                        Para o André Puga

 



Um dia, há muito tempo, um amigo levou-me a visitar um país novo, desconhecido.

Tu devolveste-me esse entusiasmo antigo e quase esquecido de uma nova partida para uma viagem mágica.

Ele deu-me a mão e guiou-me. Tu deste-me a tua mão e guiaste-me.

Ele levou-me a uma clareira no meio de uma floresta. Contigo, entrei num mundo misterioso feito de caixas: caixas dentro de caixas, caixas de vários tamanhos, caixas que pareciam todas iguais.

À primeira vista pareciam todas vazias. “É necessário habituar o olhar para sermos capazes de eliminar as redundâncias que nos inundam a retina e nos impedem de ver o que é importante”, aconselhavas-me tu, com paciência.

Eu escutava e perguntava-te “Tal como no Principezinho?” e tentava imaginar quantas formas diferentes existiriam para dizer “ver com o coração”.

Tu insistias “Tens de fixar o olhar e ser capaz de isolar as coincidências suspeitas. Se o conseguires, descobres que as caixas não estão vazias, mas habitadas”.

Semicerrei as pálpebras e, depois de abrir e fechar muitas caixas, percebi que lá dentro residiam afinal pequenos seres fantasmagóricos, quase invisíveis, como que feitos de bruma.

Eram seres estranhos e mágicos que estavam dispostos a conceder-nos um desejo. Um só desejo.

E tu pediste “Quero sorrir toda a minha vida. Aconteça o que acontecer, quero sorrir sempre”, e o fantasma-mor, que habitava na maior caixa de todas, concedeu-te o desejo: um sorriso constante que se revelou à medida que foste fechando as caixas, tal como um retrato numa folha de papel branco impressionada pela luz, depois de mergulhada no revelador.

E eu pedi “Quero ter um amigo”. E o fantasma obediente também concedeu o meu desejo.

Mas, o fantasma era um filho da mãe e enganou-nos. E, agora, eu não consigo libertar-me do teu sorriso. O teu sorriso permanente escorre de todas as caixas e molha o ecrã do computador.

O teu sorriso revelado e fixado. Aquele teu sorriso malandro de quem tudo está a perceber, mas não quer dizer. Que só diz, se lhe perguntarem. O sorriso de quem parece ser capaz de fintar o mundo.

O fantasma fintou-nos. Agora, o teu sorriso permanece no ar como o sorriso do gato de Cheshire.


 – Gostava que não estivesses sempre a aparecer e a desaparecer assim tão de repente – disse Alice
 – Está bem – disse o gato e, desta vez, desapareceu muito devagarinho, começando pela cauda e acabando com o sorriso, que ainda ficou a ver-se durante algum tempo depois do resto já ter desaparecido.”


Por isso, talvez, pior do que perder um amigo é perder alguém que sabemos iria ser nosso amigo. E ficar só com o seu sorriso húmido no regaço. E repararmos que, só hoje, tão tarde, temos a coragem de nos tratar por tu…

 

 

        Renato Roque, 17 de Junho de 2009