Há varandas em todo olhar e os que habitam vêm passear-se nelas, vêm ver quem passa, ou respirar, ou simplesmente descansar da tarefa de estar dentro, fumar os ares da cidade, sacudir os lençóis de casal, reclamar a pertença das fachadas. Poucos vão à varanda. Poucos vêm à varanda. E menos são os que vêm à varanda como quem decididamente vem à varanda. E menos ainda são os que quando vêm à varanda saem realmente, vêm de facto cá fora. Por isto, muitas varandas são enganos, são só promessas de exterior, não são mais que pequenas extensões visíveis do dentro.

Poucos, quase nenhuns, vêm à varanda com a devida importância. É importante fazer as coisas com a devida importância. Uma varanda exterior permite esse milagre do solo firme para o ver de voo. Mas muitos, quase todos, quando vêm à varanda não vêm à varanda. Estão ainda no sofá, no banho, nos afazeres da escrivaninha. Ou então nem em casa estão. Saíram há muito tempo e a verdade é que não voltaram. Nunca regressaram. Ainda assim podemos vê-los à varanda. Eles é que não podem ver-nos. Mas há outros. Há aqueles que sabem bem dos privilégios de se ter uma varanda, têm muito presente o acrescido valor que, nos dia que correm, com a agoniante falta de lugar, representa poder estar num espaço exterior, uma real alternativa ao cansaço das paredes, das cadeiras, ao peso dos tectos, ao desarticulado arfar das alcatifas.

 Umas são de ferro, umas de cimento, outras estão talhadas na própria pedra dos prédios. Essas parecem predicar o privilégio. Algumas são austeras, outras simplesmente geométricas. Muitas reservam, além da ameaça do desmoronamento, e não sei bem porquê, um ar clássico. Erguem-se em colunas, desenham-se em capitéis e terminam nos cotovelos de olhar as ruas, quase cornucópias sem natureza.

Imagino um mundo sem varandas. Toma-me uma tristeza absoluta. Compadeço-me, contra a minha vontade, dessa visão. Comovo-me. Olho outra vez todas as fachadas ondulantes, toda a arquitectura se desfaz num bocejo. Perco momentaneamente o ar. Venho à varanda. Respiro. Volto as costas ao interior. Posso agora, graças ao maravilhoso invento da perspectiva, ver todas as varandas desenhadas sobre as linhas de fuga. Quase todas estão vazias. Que pena!

Devem estar todos muito ocupados a habitar o interior.

 

Marta Bernardes 2009