O milagre das
rosas
Era uma vez
um rei que vivia fechado dentro do seu castelo. Um dia, num fim de tarde de
Inverno, inesperadamente, mandou abrir os portões e decidiu sair. Foi seguido
de perto por um séquito enorme de
conselheiros e ministros que nunca o abandonava. Ao som deslizante do manto de
veludo púrpura, que o rei arrastava pelo empedrado, o grupo dirigiu-se ao
povoado. O ‘toc-toc’ ocasional do manto, obrigado a ultrapassar uma saliência
mais saída do caminho, era quase abafado pelos passos da comitiva. De súbito o
rei viu ao longe, junto à porta de entrada na aldeia, a rainha, rodeada de
figuras masculinas e femininas, todas vestidas de cinzento. Caminhou na sua
direcção e o olhar vago, vidrado, sem expressão, daqueles homens e mulheres
vestidos de igual, não lhe permitiu discernir se a sua atitude era servil ou
ameaçadora. Esperou então pelo séquito, que se atrasara um pouco. Mas aqueles
homens e mulheres reconheceram-no e afastaram-se, arrastando os pés em ritmo
binário, certo, muito certinho. Reparou então que tinham nas costas, a
vermelho, o seu nome bordado. O povo afinal ainda era o que sempre tinha sido. E
o rei tranquilizou-se. Aproximou-se da rainha que finalmente se apercebeu da sua
presença e lhe sorriu. Mas ele pensou distinguir nos seus movimentos alguma
hesitação. A rainha tinha as mãos no regaço, parecendo esconder alguma
coisa.
-
Que tendes aí, senhora?
-
São rosas senhor!
-
Rosas? Em Janeiro? – perguntou o monarca desconfiado que vislumbrara uns
quantos tês a espreitar do colo da rainha.
A
rainha abriu os braços e uma rosa gelada petrificada caiu sobre o dedo grande
do pé direito do rei que irado praguejou. Colérico, voltou as costas à
rainha, e regressou ao castelo, decidido a não voltar a passear.
Ao
longe, mal se ouvia o ‘cot-cot’ do manto, de regresso.
...
Na Primavera seguinte a rosa descongelou, ganhou raízes, cresceu e nasceu um
bloco residencial de têcincos e têseis – condomínio fechado - para os
conselheiros e ministros. O rei não voltou a sair do castelo. Foi obrigado a
abdicar. Foi instaurada a República. A rainha deixou-o e fugiu com um
construtor civil. O povo mora longe, num bairro de casas todas iguais, pintadas
na sua cor, de cinzento.
Renato Roque