R. não poderia em rigor afirmar que fora maltratado. Obrigaram-no a subir as escadas e a entrar naquela pequena sala escura, quase sem pronunciarem palavra. Disseram “Entre!” e ele entrou. Durante muito tempo não conseguiu ver nada para além daquele foco de luz que iluminava uma cadeira à frente de uma mesa. Na mesa estava pousado um livro grosso. Ouviu outra voz, “Sente-se!”. Avançou e sentou-se na cadeira. Só algum tempo depois conseguiu perceber que havia um corpo sentado do outro lado da mesa, quando ouviu de novo a mesma voz a ordenar-lhe em tom neutro “ Diga-nos onde está!”. Como R. não reagisse a voz insistiu “ Abra o livro e procure o seu retrato!”. R. não percebia o que pretendiam dele mas fez o que lhe mandaram. Ergueu os braços e folheou o grosso livro pousado na mesa. Devagar, página a página, sem reconhecer ninguém. “Então?”. R. confessou que não identificava nenhum retrato do livro. “É melhor colaborar, pois não sai daqui sem nos dizer quem é!”. R. estava cansado. Tinha dormido pouco. Continuou a folhear o livro enorme, página a página, sem conseguir reconhecer ninguém. Quando se adaptou à luz da sala distinguiu melhor o vulto que o interrogava e que de vez em quando movia as mãos e um outro corpo que parecia estar de pé, por detrás. As horas passavam e a situação não evoluía. De vez em quando ouvia a mesma voz do outro lado da mesa “Então?” e R. nada. A certa altura o vulto sentado levantou-se e ouviu os passos a afastar-se da mesa. Um ruído do que lhe pareceu uma porta,  mais distante, levou-o a pensar que ele saíra da sala. O segundo vulto aproximou-se de R. e com uma voz velada disse-lhe baixinho “Experimente folhear as folhas rapidamente, como fazia em pequeno na escola, com os cadernos de bandas desenhadas rudimentares”. R. a princípio não compreendeu o que ele pretendia dizer. “Lembra-se do pássaro e da gaiola?”. R. lembrou-se, ergueu as mãos para o livro, fez rodar as páginas à velocidade certa e começou a ver retratos conhecidos: o avô e a avó, a mãe a tratar das flores, o pai a fumar cachimbo, R. menino, R. na escola. R viu uma lágrima a correr-lhe no rosto, viu uma sala escura onde o interrogavam, R. a parar de folhear um livro enorme, pois não aguentava mais. O vulto que saíra regressou ao seu lugar e perguntou como se nem sequer tivesse saído dali “Então? Estamos mais dispostos a colaborar?”. R. não respondeu. Ergueu as mãos para o livro, folheou-o e viu R. a sorrir feliz em frente ao mar.

 

Reborn Bramble, traduzido por Renato Roque