o retrato é um mal que não tem cura:
uma vez tirado, dura, dura, dura.
diz-se que os primitivos
que cuidavam dos seres vivos
com particular ternura
- isto é: acautelando a sua fragilidade -
não queriam ser retratados
porque se sentiam roubados.
também se diz que um bom retrato
por vezes nos olha
mais do que nós o olhamos
e isso pode ser verdade
a ponto de nos sentirmos vigiados.
a única coisa que sei ao certo
é que o único retrato oficial
que me tiraram na vida
foi fotografado no dia
em que o meu pai morreu.
ele não podia saber
e eu também não.
mas quando olho para esse retrato
vejo que um pedaço de mim partiu
sem eu acenar esse grande lenço
que é toalha de Verónica
e vaso de todas as lágrimas.
Regina Guimarães 2009